No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio Sara conversa com Nuno Grande, do ateliê Pedra Líquida, sobre a Casa do Conto e o Hotel Tipografia do Conto. Ouça a entrevista completa e leia parte da transcrição da conversa, a seguir:
Sara Nunes - Começava por falar que, ao longo destes episódios, temos percebido que a história da arquitectura é uma história de resiliência. E acho que, principalmente, um dos projectos sobre o qual vamos falar hoje – a Casa do Conto –, uma casa tipicamente burguesa, para a qual vocês já tinham feito um projecto de reabilitação... é um exemplo dessa história de resiliência porque a poucos dias da inauguração dá-se um incêndio, que destrói completamente a casa e vocês começam de novo. Pode falar um pouco melhor sobre esta história e como foram capazes de se reerguerem das cinzas, Nuno?
Nuno Grande - Posso. Vou relembrar-me de 2009, quando foi esse trágico acidente que, aliás, foi partilhado por todos. Éramos mais pessoas envolvidas neste processo e, de repente, tivemos este infortúnio de ter de começar um projecto de reabilitação do zero e fazê-lo renascer como a Phoenix das cinzas. Foi traumático porque o primeiro projecto era um projecto quase de restauro. O edifício estava em muito bom estado e, após o incêndio, ficamos apenas com as fachadas. Na verdade, com a fachada principal e tivemos de reinventar totalmente o interior... ainda que prestando uma homenagem à tipologia original da casa burguesa do Porto do século XIX.
SN - Como é que quiseram fazer essa homenagem?
Nuno Grande - Quisemo-lo fazer entrando pela lógica do pastiche... que seria uma hipótese, não é? Repor tudo o que estava feito de novo, sem a patine do tempo... até porque isso normalmente dá mau resultado. O espaço, como o tempo, não é reversível. Não é possível voltar ao estado original. Nem fazia muito sentido. Então o que fizemos foi: introduzir novos materiais e, sobretudo, o betão como o material base da reconstrução, imprimindo nesse betão uma espécie de impressão digital de memórias da casa anterior. O betão necessita de cofragem e nós achamos sempre que a cofragem pode ser um momento muito interessante para introduzir essa impressão digital. Por exemplo, nos tectos em cada quarto do hotel imprimimos textos que falam sobre a casa, sobre a memória da casa que foi destruída. Nas paredes introduzimos um fasquio de madeira que nos faz lembrar a construção em tabique tradicional do Porto. Na fachada traseira, usamos chapa ondulada, que normalmente está associada às fachadas traseiras dos edifícios do Porto industrial para moldar a fachada traseira. Portanto, usamos materiais históricos ou elementos históricos para moldar o betão contemporâneo da Casa do Conto e foi essa a forma de homenagear o passado.
SN - Acho interessante que aqui o betão, que é um material do presente e do futuro, acaba por ser o contador de histórias no qual ficam gravados estes textos, que são textos que vocês também chamaram outros amigos arquitectos para vos ajudarem a contar a história. Gostava que nos falasse um pouco melhor sobre este texto, que acho que é aquilo que distingue melhor este projecto, dando-lhe assim um toque quase de magia. Faz-nos pensar como é que aquelas letras e aquele texto foram parar ao betão. Gostava que falasse um pouco melhor sobre isso, Nuno.
NG - Os tectos das casas do Porto, do século XIX, são muito decorados, não é? Normalmente são decorados em gesso, com motivos que podem aludir à fauna ou à flora. Normalmente, são estes os temas base. Nós não queríamos, mais uma vez, regressar a uma lógica de pastiche histórico. Queríamos trazer a textura desses tectos para o nosso tempo. E textura e texto são palavras próximas. Portanto, começamos a pensar que o texto podia ser, realmente, a forma de ornamentar esses quartos e, no fundo, individualizá-los. Então chamamos amigos, designers, poetas, um geógrafo – o Álvaro Domingues, que está fora da arquitectura, mas é alguém que...
SN - É o geógrafo mais arquitecto que nós conhecemos, não é?
NG - Exacto. É o geógrafo mais arquitecto que conhecemos. E todos eles escreveram pequenas frases ou pequenos textos sobre a arquitectura, os arquitectos e a ideia de casa... o modo como habitamos a casa. E foi isso que de alguma maneira foi impresso, em baixo-relevo, nos tectos.
Ouça a entrevista completa aqui. Reveja, também, as entrevistas já publicadas do podcast No País dos Arquitectos:
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Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.